
51º Encontro - "A natureza do número":
um estudo de texto
Data: 23/03/2017
Nosso encontro do dia 23 de março se iniciou com a chegada de novas participantes: Ana Carolina e Esther (que vieram à convite da Janaína), Linda e Carol (convidadas pela Karina Calça). A Dora fez uma breve explicação de como o grupo funciona, reforçou que se trata de um grupo colaborativo. Estavam presentes também: Marina, Paula, Alessandra, Dora, Graça, Luciana, Diego, Tamires, Daniel, Karina Calça, Karina Fernandes, Gislaine, Priscila, Janaína. A Joelma e a Laís justificaram a ausência.
Partiu-se para a discussão do texto selecionado para o encontro de hoje: Capítulo 1 – “ A Natureza do Número”, do livro A Criança e o Número, de Constance Kamii.
A Janaína relatou que ao ler o texto, sua inquietação era de como aplicar em um 5º ano os conceitos tratados no capítulo, de maneira que fosse incluído nos projetos que ela pretende desenvolver com a sua turma e não algo descolado, apenas para se tratar da Matemática. Citou a intenção de construir um terrário e também um Jornal Mural. A Graça sugeriu algumas propostas que ela poderia desenvolver com a turma, com relação ao Jornal Mural e disso surgiu a discussão sobre as funções do número: quantificador, ordenador, localizador e identificador, mostrando através de exemplos que não empregamos o número apenas para quantificar. A Alessandra citou, por exemplo, que não somamos os números do telefone, e que muitas vezes a escola foca muito no trabalho do número como quantificador e não explora com as crianças as outras funções do número. Citou ainda uma atividade de um livro didático de um 5º ano que ela acompanhou essa semana, na qual a criança tinha que descobrir qual era o número, a partir da proposta de algumas dicas: um número par, cuja centena também era par, e por fim que a soma dos algarismos resultava em 21. A Alessandra questionou qual seria a função de uma atividade que as crianças somassem os algarismos.
A Karina Fernandes colocou que a perspectiva da Kamii é claramente piagetiana e da forma como o texto coloca, parece que essa aprendizagem se dá de forma natural e depende apenas do indivíduo e das relações que ele faz internamente. No capítulo está descrito: “que a estrutura lógico-matemática de número não pode ser ensinada diretamente, uma vez que a criança tem que construir por si mesma” (p. 31,2012). O Daniel colocou que acredita ser importante a interação social para a aprendizagem, contrapondo o texto, se aproximando da abordagem de Vygotsky. A Gislaine colocou que há um ou dois anos assistiu a uma palestra da Kamii, na qual ela dizia que o número está aqui (apontando para a cabeça) e que não é possível ensinar o que está na mente. “A relação entre os objetos existe somente nas mentes daqueles que podem criá-la.” (Kamii, 2012, p. 17)
Afinal, as teorias de Piaget e Vygotsky se contrapõe totalmente? O texto diz que o professor deve facilitar o desenvolvimento dos processos cognitivos, “e mesmo que o meio ambiente pode proporcionar muitas coisas que, indiretamente, facilitam o desenvolvimento do conhecimento lógico-matemático” (p. 41, 2012). Fica a questão: como o professor deve então proceder?
A Karina Calça falou um pouco sobre a questão do ensino da grafia do número na Educação Infantil, que percebe uma distância de entendimentos sobre essa questão: alguns professores acreditam que com isso estão ensinando o número para as crianças, e focam em um ensino no qual a criança é obrigada a aprender o traçado e não propiciam atividades que auxiliem na construção do conceito do número, em contrapartida, outros professores, por não acreditarem nisso, acabam não ensinando o traçado em momento algum da Educação Infantil. Ela salientou que acredita ser importante apresentar o numeral, pois o número faz parte da vida da criança. O Diego colocou que na turma que ele trabalha, a professora apresenta sim às crianças a representação do número, em um dado contexto, como a contagem das crianças presentes no dia, mas que em momento algum ela cobrará esse conhecimento da turma.
A Dora falou um pouco a respeito dos números perceptuais, citados no texto. Relatou o jogo de boliche com uma criança de 3 ou 4 anos, inicialmente havia 10 pinos e a cada rodada ela retirava um. Apenas quando sobraram 4 pinos que a criança percebeu que estava faltando pino. Acrescentou que mesmo quando a criança recite contagem dos números, não quer dizer que ela já possua a noção de quantidade. Citou o livro de Ifrah, Os números: a história de uma grande invenção, no qual diz que o número 1 é a criança egocêntrica, 2 a mãe, e já o 3 difícil de compreender, pois conta 1, 2 e muitos. Citou uma tribo indígena, na qual não se desenvolveu a necessidade da contagem para além do 2 e também apenas contam 1, 2 e muitos. O texto fala: “o professor deve conhecer a diferença entre contar de memória e contar com significado numérico. Este último só pode ser proveniente da estrutura lógico-matemática construída pela criança em sua cabeça. [...] Embora devam existir números falados e escritos no meio ambiente para que a criança possa interessar-se por eles, compreendê-los só pode ser em decorrência da estrutura mental que ela constrói em seu interior” (pp. 39-40, 2012).

Também discutimos sobre a natureza dos conhecimentos. O conhecimento social é arbitrário, são convenções que determinam nomes, datas, comemorações. Já, o conhecimento lógico-matemático não é arbitrário, pois é uma construção feita individualmente a partir das relações estabelecidas com os outros conhecimentos (físico e social) e com validade em qualquer cultura. De acordo com o texto, “No conhecimento lógico-matemático, a base fundamental do conhecimento é a própria criança e, absolutamente nada é arbitrário neste domínio. Por exemplo, 2 + 3 dá o mesmo resultado em todas as culturas” (Kamii, 2012, p. 25).
A Marina colocou uma angústia relacionada ao ensino da Matemática: em relação à alfabetização existe um estudo da Emília Ferreira que norteia o trabalho do professor alfabetizador em relação a aquisição da escrita – o professor realiza uma avaliação diagnóstica com as crianças e consegue perceber qual é sua hipótese de escrita, a partir disso identifica quais intervenções são necessárias para que a criança avance, enquanto que no campo da Matemática não consegue perceber com exatidão o que a criança já construiu de fato como conhecimento e por isso, como intervir para seu avanço. No momento desta discussão me lembrei do processo de avaliação que a rede pública do Estado de São Paulo desenvolveu nos últimos anos: a Avaliação Processual. Ela avalia, a partir de descritores estabelecidos pela rede, o nível de aprendizagem do aluno. Recordo que ela propõe, também, algumas intervenções possíveis para superar as dificuldades apresentadas, porém, de modo superficial. Tal material recebeu várias críticas. Poderíamos, para o próximo semestre pensar os processos avaliativos. Para além das intervenções didáticas, a problemática apresentada pela Marina revela o quanto é discursiva e política a construção do currículo escolar. Neste processo, alguns conhecimentos são tratados como prioritários, enquanto outros são desconsiderados ou pouco valorizados. E vale reforçar que estamos tratando de Língua Portuguesa e de Matemática, dois grandes campos dos currículos escolares. Imaginem o que ocorre com a Geografia, por exemplo.
A Graça colocou a importância do registro do professor e também do registro da criança, que traz muitos indícios sobre o entendimento desta e muitas vezes, o professor não se utiliza dessa possibilidade – preocupa-se exclusivamente com a resposta, o resultado correto, ignorando o processo.
A Dora retomou a colocação da Marina, questionando se há algum estudo no campo da Matemática que sistematize de alguma forma em fases/hipóteses o conhecimento da criança. A Alessandra citou o estudo de Piaget e da Delia Lerner, mas disse que não conhece nada voltado especificamente para a sala de aula. A Dora achou interessante e que o grupo pode se aprofundar nessa questão. Propôs ainda que elaborássemos uma atividade e desenvolvesse com nossa turma, produzindo uma narrativa escrita, pensando em duas perspectivas: 1. Fazer para minha sala e 2. O que esta atividade pode contribuir com outras turmas do grupo.
Após várias ideias e possibilidades de atividades levantadas pelo grupo (bolinhas de gude na garrafa, jujubas na garrafa, o metro, livro Clact, Clact), decidiu-se que faremos um trabalho com estimativa, com o intuito de perceber como as crianças quantificam, cada um adaptando para a sua faixa etária. A forma de registro de cada turma é livre e cada professor deve produzir uma narrativa com o que observou e trazer para o próximo encontro, quando então socializaremos as produções
Como o assunto é bem interessante e faz parte das nossas fundamentações teóricas, eu, Gislaine, sugiro que, ao socializarmos as produções em nosso próximo encontro, também possamos discutir com maior profundidade a questão da ordem e da inclusão hierárquica para a compreensão do número pela criança. Como auxiliar nesse processo? O que podemos fazer para estimular as crianças no estabelecimento de relações que levem a compreender tais processos?
Relato conduzido pelas professoras Paula e Marina.