
Profª. Karina Fernandes
PASSO DO CURUPIRA?
TRABALHANDO MEDIDAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
O trabalho com a matemática na Educação Infantil precisa pautar-se na diversidade de propostas e de vivências oferecidas às crianças. É necessário desfazer o mal entendido, de que a matemática na educação infantil é simplista e baseada em atividades de relacionar números e quantidades, mas pensar numa proposta em que a matemática atenda as necessidades atuais, as demandas e curiosidades vivenciadas pelas crianças. Portanto, o lúdico, o jogo, a brincadeira, a contação de histórias (dentre outros) precisam ser indissociáveis às propostas com a linguagem matemática.
O trabalho com medidas é muito pertinente, pois cotidianamente as crianças lidam com noções importantes para o desenvolvimento do conceito de medir, como: muito pesado, mais baixo, é grande demais, está correndo muito, muito quente, é perto, dentre outros. Para tanto, durante o ano letivo de 2014, algumas propostas foram desenvolvidas, com duas turmas de crianças de 4 a 6 anos de um CEI da rede Municipal de Campinas.
Partindo da ideia de proporcionar às crianças vivências em que fosse possível utilizar e pensar acerca das medidas, de modo investigativo e exploratório, no qual hipóteses, falas e diálogo são valorizados. A partir da leitura e da problematização da história “O Curupira, o Anão e o Gigante” foi possível desenvolver o trabalho com medidas, além de colocar a turma, frente às práticas de resolução de problemas e, portanto lógica de entender o mundo.
Este trabalho propiciou às crianças e adultos envolvidos, uma nova maneira de entender a matemática e o ensino-aprendizagem da mesma. Pois, o envolvimento das crianças, as diversas ideias suscitadas, as múltiplas linguagens abarcadas durante todo o processo, demonstram que o trabalho com a matemática precisa desenvolver-se num ambiente problematizador, de curiosidade e entusiasmo.
* Este trabalho foi escrito juntamente com a professora Liliane Caroline S. Paulino.
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** Esta atividade foi apresentada no IX Seminário da Faculdade de Educação, da PUC-Campinas (2014), na sessão "Palavra do Professor/a". Para acesso aos Anais do evento, onde o trabalho completo está publicado, clique aqui.
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Introdução
O presente trabalho decorre das discussões realizadas no Grupo de Estudos: Professores Matematizando nos anos iniciais (GEProMAI-grupo colaborativo que se reúne quinzenalmente, com o intuito de estudar e compartilhar a prática pedagógica em matemática), no qual resolvemos iniciar os estudos e reflexões sobre a matemática e sobre o trabalho com medidas em duas turmas de agrupamento III (crianças entre 4 e 6 anos) na rede Municipal de Campinas, respeitando-se as especificidades de cada turma.
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Para abordar o trabalho com a matemática na Educação Infantil, acreditamos ser necessário explicitar algumas questões, como: 1) Explicitar o trabalho na Educação Infantil; 2) O porquê do trabalho com medidas; 3) Como desenvolvemos o trabalho com medidas, tendo como mote atividades investigativas e exploratórias (PONTE, BROCARDO e OLIVEIRA, 2003), resolução de problemas (SMOLE, 2000), recorrendo sempre ao universo lúdico, dos interesses e necessidades das crianças.
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Diante disso, compreendemos a Educação Infantil enquanto tempo e espaço único e específico de educação e não tempo de preparação para o Ensino Fundamental. Portanto, a matemática, como cita Smole (2014), precisa acontecer a partir da curiosidade e dos interesses das crianças, atendendo aos seus questionamentos e problemas atuais.
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As medidas estão presentes no cotidiano de todos nós. Diariamente lidamos com dúvidas e questões relacionadas a medidas, como: Qual a minha altura? Quem é mais alto? Quem é mais baixo? Qual o tamanho de um filhote de tubarão? Está muito pesado! Está correndo muito! Sendo assim, as crianças desde pequenas dispõem de um vocabulário e de vivências adquiridas culturalmente acerca das medidas. Além de demonstrarem dúvidas, curiosidades e hipóteses neste eixo do conhecimento. Para Grando (2010), a criança demonstra na escola o conhecimento sobre medidas adquirido socialmente, a partir do que ouve e vê em seu cotidiano. Portanto, o trabalho com medidas na Educação Infantil se constitui numa proposta viável, que abarca diversas linguagens, pois as medidas podem ser desenvolvidas através de situações-problema, histórias, e questionamentos que as próprias crianças elaboram, a partir de suas experiências.
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Este trabalho deve ocorrer de forma variada, não apenas no início do ano, como de “costume”, quando a altura da criança é medida e questões como maior e menor são abordadas. A atenção para o uso das medidas se mostra de grande necessidade, pois uma proposta com explorações de medidas não-convencionais e por meio de resolução de problemas, torna esta proposta viável ao desenvolvimento da linguagem oral, da escrita, do desenho, da dramatização e da linguagem matemática.
De acordo com Smole (2014), a escola deve ser um ambiente problematizador, favorecendo o desenvolvimento de novos conhecimentos matemáticos. Sendo assim, as propostas desenvolvidas abarcam questionamentos e problemas, em que as crianças podem expor suas ideias e hipóteses, sendo incentivadas à argumentação e socialização. Diante disso, o trabalho com uma história propiciou o desenvolvimento da linguagem matemática, da dramatização, do desenho, da escrita, da exploração do espaço e do diálogo e num segundo momento, uma proposta de medição das crianças.
Iniciamos o trabalho levando à turma a história: “O Anão, o Gigante e o Curupira” (o Curupira, em nossa história, tem os pés virados para frente como qualquer outro ser; adora fazer novos amigos e conversar com pessoas que são boas para a natureza. Num dia muito calmo na floresta o Curupira escuta um barulho muito alto. Andando um pouco mais vê uma cena muito diferente: um anão e um gigante andando juntos pela mata a procura de comida. Vendo que os dois eram amigos o Curupira se aproxima para oferecer ajuda. Com muita fome os dois perguntam onde podem encontrar frutas. Muito cordial o Curupira ensina o caminho para árvores frutíferas, mas também lhes convida para um delicioso jantar em sua casa. Animados com a sopa o gigante e o anão perguntam onde podem encontrar a casa do Curupira. Este, antes de sair correndo lhes informa: “Minha casa fica na direção dessa castanheira a 30 passos de onde estamos.” Dada à hora combinada o gigante e o anão vão na direção indicada pelo Curupira, dão os 30 passos, porém nenhum deles consegue chegar à casa). A partir daí, problematizamos com as crianças esta questão, “Por que o Anão e o Gigante não conseguiram chegar à casa do Curupira?”; “O que deveriam fazer para conseguir chegar?”. As crianças nos mostraram diversas hipóteses e inicialmente nenhuma demonstrava preocupação com questões matemáticas (o comprimento do passo e a necessidade dos 30 passos), mas muita criatividade e envolvimento para solucionar o problema. Para Smole (2000), um dos maiores motivos para a abordagem da matemática na escola, é a resolução de problemas e ainda ressalta que essa habilidade é importante não apenas para a aprendizagem da matemática, mas também para o desenvolvimento da inteligência e cognição.
Um problema e muitos caminhos...
A partir do problema supracitado, as crianças apresentaram diversas hipóteses, como: “Eles não acharam porque eles não tinham mapa”; “O gigante é muito alto. Ele pode levantar o anão e ver o caminho. Eu acho que tinha dois caminhos e eles se perderam.”; “Eles precisam de um telescópio! Com telescópio dá para enxergar bem longe.”; “Eles não chegaram pois não sabiam contar.” As conversas num primeiro momento demonstraram que as hipóteses das crianças não consideravam o comprimento do passo de cada personagem e a necessidade dos 30 passos. O desenho e a dramatização da história fizeram parte da dinâmica de nosso trabalho, nesta perspectiva, as crianças apropriaram-se da história e demonstraram interesse na resolução do problema: “Por que o gigante e o anão não conseguiram chegar à casa do Curupira?”. Então, uma ideia surgiu das crianças: “Eles tinham que contar os passos. Tinha que contar até 30.” Neste momento, a turma acolheu esta hipótese e passamos a dialogar sobre o “passo” das personagens: “O passo do gigante tem que ser assim (afasta os pés o máximo que consegue).” Durante a dramatização da história, as crianças definiram qual seria o comprimento do passo do Anão, do Curupira e do Gigante, referindo-se respectivamente a cada um como: passo pequeno, passo médio e passo grande. Para registrar o passo de cada personagem, cortamos três “tiras” de barbante.
Moura (1995) afirma que a criança que se envolve na descoberta de um problema, está inteira para resolvê-lo, portanto, mobiliza não apenas funções cognitivas, mas emocionais, imaginárias e simbólicas. Durante o período de trabalho com a história, questões como perto e longe, grande e pequeno, rápido e devagar foram abordadas. As crianças também experimentaram andar os 30 passos, conversar a partir desta atividade e comparar as distâncias atingidas pelos 30 passos.
Grando (2010) afirma que cabe ao professor organizar situações para que os educandos sintam necessidade de utilizar as medidas, mesmo que não-convencionais. Para tanto, é necessário propiciar momentos em que problemas, desafios, reflexões sobre fatos, situações e atividades do dia-a-dia sejam trabalhadas.
Diante das diversas situações para explorar o problema proposto pela história, as crianças concluíram que: “O anão não parou igual ao Curupira porque o passo do Curupira é médio e do anão é pequeno”; “O gigante passou, por isso que ele não achou”; “O anão não chegou porque o cordão (barbante) dele é pequeno”; “A corda (barbante) tinha que ficar no mesmo lugar do Curupira”; “O passo do anão e do gigante tinha que ser igual ao do Curupira. Tinha que ser médio”.
Evidencia-se nas falas das crianças que das comparações dos passos das personagens, perceberam a necessidade de que a medida do comprimento depende da unidade escolhida, que, no caso da história desenvolvida, era o passo do Curupira. A partir da observação dos interesses da turma, e pensando em propor atividades que permitissem às crianças pensar, comparar e perceber que a medida do comprimento depende da unidade escolhida resolvemos propor à turma a medição das crianças com barbante. Apesar de ser uma atividade realizada em anos anteriores, acreditamos que deveríamos fazê-la, agora com um olhar diferente e outra maneira de medir.
Utilizamos dois pedaços de barbante, um de treze centímetros e outro de trinta centímetros. As próprias crianças realizavam as medições, enquanto uma deitava, a outra organizava os barbantes e outro colega contava quantos barbantes foram necessários. Depois, cada criança registrava em um cartaz seu nome e o resultado da medição. Esta proposta permitiu diálogos de maior riqueza, pois as medições realizadas anteriormente, em que apenas cortávamos uma tira de papel ou barbante do tamanho da criança, observávamos apenas a representação de quem era maior e quem era menor, mas conversar sobre o quanto era maior e o quanto era menor, eram questões difíceis de se visualizar. Assim, favorecemos momentos em que as crianças puderam expor suas ideias, confrontar com as ideias dos colegas, estimar a quantidade de barbantes que seriam utilizados para medir determinada criança, comparar as medições das alturas com barbantes de diferentes medidas.
Através das atividades realizadas observamos o envolvimento e interesse das crianças em resolver os problemas propostos. As crianças também vivenciaram situações nas quais foi preciso explorar diferentes procedimentos para comparar grandezas e para medir comprimento através de unidades não convencionais. Ficou evidente também, o conhecimento sobre medidas adquirido socialmente e que era relatado pelas crianças durante os diálogos, destes diálogos, notamos que para as crianças, medir está relacionado com um número.
Enquanto professoras, percebemos a necessidade de abordar o trabalho com medidas ao longo do ano letivo, com propostas diferenciadas e favorecendo a resolução de problemas, o diálogo e compartilhamento de ideias entre as crianças.

Referências
AGUIAR MARTINS, E. R.; TORTELLA, J.; GRANDO, R. C. Aprendizagem docente: o papel do grupo de trabalho colaborativo no ensino de Matemática na Educação Infantil. Dossiê: Educação de Jovens e Adultos, 28, n. 1, 2010, p. 121-133.
LANNER DE MOURA, A. R. A medida e a criança pré-escolar. 1995. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1995.
LORENZATO, S. Educação infantil e percepção matemática. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
PONTE, J. P.; BROCARDO, J.; OLIVEIRA, H. Investigações matemáticas na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2003.
SMOLE, S. K; DINIZ, I. M; CÂNDIDO, P; Resolução de Problemas. Matemática de 0 a 6. São Paulo: Artmed, 2000.
PÁTIO; Porto Alegre [Citado em janeiro de 2014]. ISSN 16773721. Disponível em: http://www.grupoa.com.br/revista-patio/artigo/10083/matematica-na-educacao-infantil.aspx. Acesso em: 04 de setembro de 2014.
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