GRÁFICO DE BOLINHAS:
RELATO DE UMA ATIVIDADE ENVOLVENDO ESTATÍSTICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Prof. Diego da Silva Gallet
“Crianças de três a quatro anos conseguem, com a ajuda do professor, construir gráficos e tabelas e fazer a leitura e análise deles” (ANDRADE, 2002).

O presente relato traz os resultados de uma atividade realizada com crianças da Educação Infantil, de idades entre 2 e 3 anos, de uma escola da Prefeitura Municipal de Campinas. A atividade teve como objetivo iniciar as crianças pequenas em noções básicas de estatística.
No dia, estavam presentes 18 crianças, a professora da classe e dois monitores. Todos os dias, há o momento da leitura da história que geralmente é escolhida pela professora. No entanto, foi elaborada uma nova proposta para que as crianças pudessem se sentir mais participantes dessa escolha. Por isso, pensou-se em uma atividade na qual, dentre três opções de livros, cada criança poderia votar em uma.
Após a votação, o livro mais votado seria lido para as crianças. Para que fosse acessível a votação e visualização do resultado, elaboramos um quadro com tubos transparentes – um para cada história –, onde cada criança que escolhesse a história, depositasse uma bolinha naquele tubo. Cada tubo teria a identificação de uma história. Ao final, veríamos um gráfico, organizado a partir das escolhas das crianças, e identificaríamos qual a história que obteve mais votos e qual a que obteve menos votos.
As crianças, apesar de terem seu primeiro contato na creche com esse tipo de tratamento de dados, quando questionadas, demonstraram compreender o sentido do gráfico como instrumento de apresentação e comparação de quantidades. Mesmo com a primeira e a segunda história quase empatando em número de votos das crianças, com diferença de apenas duas bolinhas, eles conseguiram comparar e identificar que a primeira havia recebido um maior número de votos. Sentiram um pouco de dificuldades quando questionados sobre a história que tem “menos” bolinhas. Mas à medida que a pergunta ia sendo reformulada, conseguiram compreender e identificar a história com menos votos e classificá-la como aquela que menos crianças escolheram.
Pode-se perceber que aspectos da estatística correspondem a assuntos que podem ser trabalhados na Educação Infantil e com crianças dessa faixa etária, pois aprimora noções de comparação — como mais e menos, muito e pouco —, elementos básicos para a leitura de um gráfico mais complexo.
A partir dessas ações é possível introduzir o pensamento estatístico. Além disso, pode-se desenvolver a autonomia das crianças, deixando-as escolher a história que querem ouvir, bem como respeitar a decisão da maioria. Dessa forma, eles começam a compreender como é realizar uma escolha coletiva, abdicando, às vezes, de sua própria vontade, em função da vontade da maior parte.
* Esta atividade foi apresentada no XI Seminário da Faculdade de Educação, da PUC-Campinas (2016), na sessão "Palavra do Professor/a". Para acesso aos Anais do evento, onde o resumo está publicado, clique aqui.
Relato do professor sobre a atividade
A sala é uma turma de Agrupamento II (crianças de 1 ano e meio a 3 anos e meio), com 25 crianças matriculadas. Para essa atividade, estavam presentes 18 crianças, a professora da turma e dois monitores (eu sou um deles).
Iniciei a atividade convidando todas as crianças a saírem da roda e a se sentarem próximos ao “cantinho da leitura”.
Esse canto já havia sido preparado anteriormente com um cartaz de fundo branco, três tubos de saco plástico transparente, e três prendedores fixados na parede para segurar os livros.
Expliquei para eles que todos os dias a Débora conta uma história, mas que hoje a turma iria escolher a história que eles queriam ouvir. Fui até a prateleira de livros eu fui perguntando quais os livros que poderíamos pôr para a escolha. A cada livro que perguntava se podia, eles respondiam “pode!”.
Recolhi então três opções, pois achei que a eleição de muitos livros poderiam confundir na hora da apuração dos votos. Os livros que foram para a votação, foram:



Depois que prendi os livros nos prendedores, expliquei como funcionaria a nossa votação, ou seja, como escolheríamos a história que iríamos ler aquele dia:
_ Eu vou distribuir um bolinha amarela para cada criança segurar. Não pode soltar ela. Vou chamar cada um para escolher uma história e aquela história que a criança escolher, ela deve colocar a bolinha no “saquinho” debaixo do livro que ela escolheu.
“Para que os alunos possam adquirir todas essas habilidades na linguagem estatística, é preciso que o trabalho se inicie desde a infância, de forma vinculada à situações-problema” (GRANDO; NACARATO; LOPES, 2014).



E completei depois:
_ Aquela história que tiver mais bolinhas, vai ser a escolhida da turma para lermos hoje.
E assim fomos fazendo. Enquanto eu chamava cada um, eles iam escolhendo sem problemas a história e colocando a bolinha no saquinho da história que escolheram. Isabelli, já durante a explicação, tinha falado que queria a “história da coruja” e na hora da votação, persistiu na sua escolha.
Yuri também, mas com a “história do rabanete”. Quase todas as escolhas eu senti que eram sinceras: a criança estava escolhendo aquele história sem influências de colegas, adultos, quantidade de bolinhas, etc..
Muitos já vinha convictos, sem deixar eu terminar de perguntar já apontavam para o livro que tinham escolhido e falavam qual era.
Ana Clara, a menor da turma, ficou um pouco perdida e tive que encaminha-la para alguma história. Ele aparentou que estava mais empolgada em pôr a bolinha em algum lugar e que era a vez dela.
Gabriel, que tinha começado a frequentar a escola naquele dia, estava chorando muito e não quis levantar para colocar a bolinha. Samuel Bispo também se recusou, aparentando vergonha ou medo. Portanto, houve duas “abstenções” na nossa votação.
Depois disso, pegamos o livro “Um tanto perdida”, a “história da coruja”, para a professora contar.
“Por viverem em uma cultura rodeada por conhecimentos matemáticos básicos – dizer sua idade e o dia do mês, o número da casa e do telefone – e estabelecer relações entre maior, menor, igual, entre outros saberes, as crianças mostram-se igualmente interessadas em utilizá-los em situações em que determinados problemas são apresentados”
(BRASIL, 2016).

Resultado
Ao final, quando todos já haviam votado, perguntei:
_ Qual a história que tem mais bolinhas?
Três crianças responderam juntas:
_ A da coruja!!
Insisti:
_ Qual foi mesmo? A da coruja ou a do morango? (pois ambas estavam com quantidades próximas de bolinhas).
_ A da coruja!! – respondeu a Isabelli.
_ Qual história foi escolhida então pela turma?
_ A da coruja!! – respondeu o Davi.
Apesar de no resultado final, a primeira e a segunda história quase empatarem – diferença de duas bolinhas –, eles conseguiram comparar e identificar que a primeira havia ganhado.

Apesar de ser uma atividade diferente, em que todos estavam com uma atenção especial naquele momento, senti um pouco de dispersão ao longo da votação, pois o Gabriel chorou o tempo todo.
Senti dificuldades também em desenvolver mais a atividade, indagando e levando as crianças a refletirem melhor sobre as quantidades. Apesar disso, sinto que elas conseguiram distinguir bem a história que ganhou pela quantidade de bolinha, fazendo assim a leitura do nosso “gráfico de bolinhas”.
Logo que acabou, senti que poderia ter aprofundado mais a atividade, contando as bolinhas e escrevendo os números próximo aos livros, fazendo também uma comparação entre os números.
E por fim, uma coisa que não poderia faltar e faltou, indagar as crianças por que da história “Um tanto perdida” ganhou e as outras não. Apesar de já ter dito no começo que a história que tivesse mais bolinha ganharia, queria ter visto se eles fariam a relação depois da eleição. Poderia ter indagado também sobre o porquê das outras não terem ganhado e “qual foi a que teve menos bolinhas” ou “a menos escolhida”.
Contudo, percebi que estatística é um tema que pode ser trabalhado na Educação Infantil e com crianças dessa idade, pois aprimora noções de comparação, como mais e menos, muito e pouco, elementos básicos para a leitura de um gráfico mais complexo, posteriormente.
“É preciso muito cuidado, um cuidado adicional para ensinar crianças pequenas. Elas pensam de forma bastante complexa e lógica; nós adultos é que muitas vezes não as compreendemos e para mostrarmos nossa superioridade dizemos a ela o que devem fazer e o que devem pensar, tolhendo seu processo de pensamento e de criação” (TANCREDI, 2012).

Referências
ANDRADE, Maria C. G.. A educação da Infância Através dos Projetos Integrados de Áreas. In: LOPES, Celi A. E.; MOURA, Anna R. L. de. (orgs.). Encontro das crianças com o acaso: as possibilidades, os gráficos e as tabelas. Campinas: FE/UNICAMP, 2002.
BRASIL. Base Nacional Curricular Comum – BNCC (2ª versão do documento preliminar). MEC, 2016. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio>. Acesso em: 15 out. 2016.
GRANDO, Regina C.; NACARATO, Adair M.; LOPES, Celi E.. Narrativa de aula de uma professora sobre a investigação estatística. Educação & Realidade. Porto Alegre. v. 39. n. 4, p. 985-1002, 2014. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/45897> .Acesso em: 1 out. 2016.
TANCREDI, Regina M. S. P.. Que matemática é preciso saber para ensinar na educação infantil? Revista Eletrônica de Educação. São Carlos. v. 6. n. 1, p. 284-298. 2012. Disponível em: <http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/view/316>. Acesso em: 3 set. 2016.
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